Metas do novo Plano Nacional da Educação devem ser ‘ambiciosas, mas exequíveis’, diz especialista

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Metas do novo Plano Nacional da Educação devem ser ‘ambiciosas, mas exequíveis’, diz especialista

As metas do novo Plano Nacional da Educação (PNE) 2024-2034 devem ser “ambiciosas, mas exequíveis”, declara Manoela Miranda, gerente de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação, organização não governamental focada em educação básica. Na visão da especialista, os objetivos traçados pelo governo foram adequados, mas algumas metas de aprendizagem são bastante desafiadoras e até irreais.

O PNE é um documento que traça metas educacionais que devem balizar as ações de todas as esferas governamentais para que os objetivos sejam alcançados durante o período de dez anos. O último plano, vigente de 2014 a 2024, porém, teve várias de suas metas não cumpridas, de acordo com os dados do Censo Escolar divulgado pelo Ministério da Educação (MEC) nesta quarta-feira, 9.

Por isso, várias metas foram renovadas para o PNE 2024-2034 e outras, que tiveram um avanço maior, foram ampliadas.

O texto do novo PNE foi enviado pelo governo federal ao Congresso no ano passado e ainda não foi debatido, mas deve ser um dos principais temas a serem discutidos pelos parlamentares neste ano.

Segundo Miranda, as metas relacionadas ao acesso à escola devem, de fato, visar a universalização do ensino, o que ainda não acontece. No ensino infantil, por exemplo, apenas 34% das crianças até 3 anos estão na creche (a meta era de 50% e foi ampliada para 60%) e 91% das crianças com 4 e 5 anos estão matriculadas (a meta era de 100%, e foi mantida).

Já no ensino médio técnico, a meta era que as 1,6 milhão de matrículas registradas no início do PNE 2014-2024 triplicassem, mas o País alcançou um crescimento equivalente à metade do previsto, com 2,4 milhões alunos no ensino médio técnico.

“A meta deve ser mantida, especialmente considerando que não universalizamos o atendimento, que é o primeiro pilar, o estudante estar na escola em etapas obrigatórias”, explica Manoela Miranda.

Por outro lado, é preciso que os objetivos de aprendizagem adequada sejam factíveis, já que “metas muito ambiciosas podem, inclusive, não induzir ações que levem ao cumprimento delas”, ela afirma.

Como exemplo de objetivo “irreal”, ela cita a proposta de assegurar o nível adequado de aprendizagem ao final do ensino médio para 100% dos estudantes até 2034. Hoje, porém, apenas 4% dos estudantes têm aprendizagem adequada em Matemática. “Pensar em sair de 4% para 100% daqui a 10 anos nos parece bastante desafiador”, diz a especialista.

Veja trechos da entrevista:

As matrículas do ensino infantil ficaram estagnadas em 2024, após dois anos de recuperação pós-pandemia. O governo anunciou uma mudança na ponderação das creches em tempo integral para aumentar recursos do Fundeb. O que mais pode ser feito, tanto pelo governo federal quanto pelos municípios, responsáveis por essa etapa de ensino?

Houve um avanço bastante tímido de 1,5% em um ano nas matrículas do ensino infantil. Como comparação, no período de 2015 a 2019, a taxa média de crescimento por ano foi de 5%, portanto, é uma taxa bastante desacelerada nesse último ano, considerando a expectativa que nós temos para essa etapa, que é fundamental. Esses números, de fato, reforçam a importância de o MEC, os governos estaduais e municipais pensarem no plano de expansão de creches, nesse atendimento de crianças de 0 a 3 anos, levantando a demanda de atendimento por essa etapa e olhando para o território como um todo, especificamente para as crianças mais vulneráveis. A gente tem uma taxa ainda bastante baixa de atendimento à creche, o que nos acende esse alerta. Esse ritmo precisa ser muito mais acelerado para, inclusive, a gente atingir as metas que estão no Plano Nacional de Educação

Aumentar o fator de ponderação para creche integral é um incentivo para que o ente, de fato, invista em ofertar mais matrículas, porque isso significa um repasse de recurso para o município, até para ele poder fazer essa oferta de qualidade. Por outro lado, existem outros programas e também um apoio técnico, até em regime de colaboração não só do governo federal, mas também dos Estados com os municípios.

O governo federal criou 1,4 milhão de matrículas de educação integral na rede pública brasileira em dois anos, superando a meta fixada pelo MEC.
O governo federal criou 1,4 milhão de matrículas de educação integral na rede pública brasileira em dois anos, superando a meta fixada pelo MEC.

E nas pré-escolas, onde o ensino é obrigatório, ainda assim, não alcançamos a universalização, prevista para 2016. Chegou até a ter uma leve queda. Quais os caminhos?

A pré-escola não está 100% universalizada, está quase lá, mas não é universalizada. Esse é um ponto de atenção e de alerta. É (preciso) olhar de uma forma aprofundada para os Estados e para os municípios para entender onde aconteceu essa queda e entender quais são as hipóteses. A gente precisa de dados aprofundados. Podemos começar a ver menos matrículas de crianças mais novas, mas isso é uma hipótese que precisaria de outros dados para serem confirmados. É importante ter um bom diagnóstico com esses dados, por ente federativo, e entender onde que essas matrículas de pré-escola reduziram. Aí, com ações como busca ativa, procurar realmente quem são essas crianças que, eventualmente, não estão sendo matriculadas.

O ensino especial também chama a atenção, mas pelo aumento do número de matrículas, em especial de TEA. Como vocês enxergam esse dado?

Vimos, nos últimos anos, um aumento de diagnóstico dos espectros de autismo, entre outros. Então, a boa notícia que os dados revelam é que temos conseguido aumentar as matrículas de estudantes público-alvo da educação especial. Aí, existem outras questões como políticas (específicas para pessoas com alguma necessidade especial), como qualificar (o ensino), mas o importante é que essas crianças estão conseguindo se matricular no ensino regular. Ainda temos um caminho pela frente em termos da inclusão, da equidade, da aprendizagem desses estudantes público-alvo da educação especial, mas esses alunos estão sendo mais matriculados na escola. Então, acho que esse é um destaque que eu posso fazer como positivo.

O ensino integral também mostrou bastante avanço nos últimos anos. O que fez com que o resultado dessa modalidade fosse superior a outras?

Isso (aumento de matrículas em tempo integral) tem sido uma política que foi priorizada pelo governo e nós vimos um aumento. Se olharmos para o total de matrículas na educação básica, temos 23% em tempo integral, o que é bastante próximo da meta do Plano Nacional de Educação, que estabelecia 25% para 2024, então foi praticamente atingido. Vale um destaque para o ensino médio, que foi a etapa que avançou e tem maior porcentual de matrículas no ensino integral. Tem um programa de ensino integral no ensino médio do governo federal, então nos parece que isso é uma tendência também ascendente. Na visão do Todos pela Educação, é uma questão fundamental, porque o ensino em tempo integral é essencial para melhorar e elevar a qualidade da educação pública como um todo.

Quais as vantagens do ensino integral para os alunos?

Ele vai desenvolver outras competências que são essenciais para o desenvolvimento desde a infância até a juventude, como competências socioemocionais, a convivência e a comunicação. Então, mais tempo na escola possibilita que o estudante esteja não só nesse ambiente seguro, mas, também, estimulado a desenvolver habilidades que são importantes para além de aprendizagem, Português, Matemática e outras disciplinas fundamentais, mas ele, também, desenvolve habilidades importantes para a vida. Ele pode desenvolver o projeto de vida dele, pensar o que ele vai fazer depois da educação básica.

Já no ensino profissionalizante e técnico (EPT), o avanço não foi suficiente para chegar próximo da meta. Ainda ficamos na metade do objetivo previsto para 2024.

Na última década, houve um crescimento grande, porém, não atingindo ainda os patamares do PNE. Vale um destaque para a expectativa que se tem de que o EPT avance bastante nos próximos anos em função da aprovação do Propag, o programa de renegociação da dívida dos Estados, que traz um incentivo para investir nessa modalidade. Então, espera-se aumento de matrículas no ensino técnico profissionalizante.

Vale destacar a importância, inclusive, com as mudanças do novo ensino médio, da possibilidade de ter o ensino técnico profissionalizante integrado ao ensino médio e a demanda que nós vemos em pesquisas nacionais dos estudantes por essa modalidade. Então, é bastante positivo. A gente espera que continue crescendo, porque tem muita ligação com a inserção dos jovens no mercado de trabalho e com os jovens continuarem na escola.

Diante desses resultados do Censo Escolar, como você enxerga as metas do novo PNE apresentadas pelo governo? São adequadas ou irreais?

Os dados do Censo nos falam mais sobre acesso e, nesse sentido, temos ainda desafios. Portanto, essas metas devem, sim, ser mantidas e pensadas para serem realistas com a realidade que estamos vendo aqui. Ou seja, dado que não evoluímos o quanto deveríamos em várias delas, teremos a manutenção da meta. Vou destacar alguns exemplos: a universalização da pré-escola, o atingimento de 50% de creches que não atingimos (e a proposta para o próximo é atingir 60%). Então, como não avançamos em termos de acesso, essa meta deve ser mantida, especialmente considerando que não universalizamos o atendimento, que é o primeiro pilar, o estudante estar na escola em etapas obrigatórias. Em termos de acesso, entendo que as metas do PL estão adequadas, porque o acesso tem que ser 100% a meta mesmo.

Por outro lado, o projeto de lei proposto pelo governo já avança em termos de olhar para a qualidade. Então, ele traz metas de qualidade da educação infantil, metas de porcentual de estudantes com aprendizagem adequada – essas não relacionadas com o Censo Escolar. Temos metas de aprendizagem bastante desafiadoras e bastante ambiciosas. É muito importante que o PNE e essa tramitação olhem para que as metas sejam ambiciosas, porque é um plano para os próximos 10 anos do Brasil, e nós temos muito a avançar na qualidade da educação pública, mas equilibre com a exequibilidade. Tem de ter um plano realista que incentive, de fato, os Estados, municípios e o governo federal a avançar com políticas educacionais estruturantes na próxima década.

Considerando os patamares atuais, algumas metas nos parecem irreais, mas é apenas uma questão de calibrar as metas. Então, nós defendemos que elas devem existir e que o objetivo final é que os alunos aprendam e 100% dos alunos cheguem ao final do ensino fundamental, do médio, com a aprendizagem adequada. É preciso olhar os resultados do SAEB de 2023 e entender o que é possível propor para 5 anos e para 10 anos. Uma alternativa é propor, e que já está no PL, metas intermediárias para olhar para a aprendizagem daqui a 5 anos e depois 10, o que é bastante positivo você poder ter um balanço no meio do caminho e não esperar 10 anos para ver se atingiu ou não as metas.

Quais metas em específico são irreais?

O objetivo 5 do projeto de lei proposto fala em assegurar o nível adequado de aprendizagem ao final do ensino médio para, no mínimo, 60% dos estudantes até o quinto ano de vigência do PNE, e para todos até o final do decênio. Ou seja, a meta é 100% dos estudantes concluindo o ensino médio com aprendizagem adequada. E nós vimos nos resultados, por exemplo, em Matemática, cerca de 4% dos estudantes com aprendizagem adequada. Então, pensar em sair de 4% para 100% daqui a 10 anos nos parece bastante desafiador. Esse é um exemplo de uma meta que, com o escalonamento daqui a 5 anos, pode ser equilibrada. Metas muito ambiciosas podem, inclusive, não induzir ações que levem ao cumprimento delas.

Por outro lado, eu queria destacar que esse novo projeto de lei do PNE avança bastante na forma de como ele propõe as metas de aprendizagem. Antes, ele tinha metas só de Ideb, e agora nós estamos olhando para o porcentual de estudantes com aprendizagem adequada e para a redução de desigualdade entre grupos sociais de estudantes. Então, já é um avanço muito grande.

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