BRASÍLIA – A falha no fornecimento de internet em algumas escolas tem levado estudantes e professores a buscarem soluções individuais para resolver o problema.
Na escola Irmã Maria Regina Velanes Régis, na Zona Rural do Distrito Federal, cuja internet é considerada “adequada” pelo Ministério da Educação (MEC), há relatos de alunos que passaram a usar o dinheiro recebido via programa Pé-de-Meia para contratar pacotes de internet e utilizar nas atividades escolares.
A estudante Samy da Silva, de 18 anos, conta que, muitas vezes, o alunos não têm internet disponível em casa para fazer as atividades que acabam se tornando lição de casa devido à precariedade da banda larga na escola. Diante disso, os estudantes se organizam para utilizar a internet de colegas com rede disponível, ou até mesmo, compram pacote de dados com recursos que têm recebido do governo federal.
“A gente se junta, agora que está recebendo o Pé-de-Meia, coloca crédito. Aí tem internet, e a gente faz nossa pesquisa pelo celular”, conta a estudante.
O Pé-de-Meia é um programa criado pelo governo federal que prevê o pagamento de uma bolsa mensal de R$200 para estudantes do ensino médio. Além do depósito de R$1000 por ano em uma poupança, que só pode ser sacada no final do ensino médio. A iniciativa é uma estratégia para reter os estudantes na escola e evitar a evasão.

A falta de internet levou a direção da escola a desativar o laboratório de informática para abrir espaço para turmas da educação integral. Com os computadores trancados num depósito, a Escola Irmã Maria Regina — que tem cerca de 920 alunos do ensino fundamental ao médio, e na educação de jovens e adultos — usa um carrinho para guardar notebooks destinados à aprendizagem. Os equipamentos são utilizados em sala de aula ainda que sem conexão. A medida é uma tentativa de fazer com que os estudantes tenham contato com a Era da Informação mesmo de maneira offline.
Os computadores portáteis são usados para produção de texto de forma digitalizada, ou para acessar jogos e conteúdos baixados pelos professores para auxiliar nas aulas.
“Atrapalha muito o pedagógico. Tudo tem que ser baixado com antecedência, impresso”, conta a professora de Português, Lívia Pâmela Guedes.
Ela conta que gamifica os conteúdos ensinados para tornar o material mais atrativo aos estudantes, mas, muitas vezes, precisa adaptar o trabalho por falta de conectividade. “Preciso pegar o jogo e fazer de uma maneira que fique offline ou usar meus dados, porque, de vez em quando, funciona.”

As reclamações são repassadas rotineiramente à direção da escola. A diretora Lilian Kelly Oliveira conta que a unidade recebe a verba do governo federal para fornecimento de internet via Programa Dinheiro Direto na Escola, mas a rede contratada não é suficiente para abrir o sinal para os estudantes durante a aprendizagem.
As redes disponíveis no colégio, segundo ela, são suficientes apenas para sustentar as atividades administrativas e para que os docentes possam preencher seus diários de classe, que são hospedados em uma plataforma online.
“Os professores se queixam muito em relação a essa questão de não ter internet e, quando tem, é muito fraca. Justamente porque querem levar uma atividade diferenciada para sala de aula, porque querem que os alunos façam pesquisas, atividades interativas, e não conseguem. Há uma frustração”, conta Lilian ao Estadão.
A diretora diz que já fez inúmeros pedidos para melhoria da rede, mas não consegue resolver o problema.
Em outra escola de Brasília, os problemas são parecidos. Embora a internet do colégio seja classificada como “adequada” pelo MEC, uma professora, que não quis se identificar, contou à reportagem que os professores fazem vaquinha para financiar o pacote de dados da instituição.
Segundo o relato, todos os anos, professores e funcionários dividem o valor da internet extra e é “muito raro” que consigam utilizá-la em classe para desenvolver atividades com os estudantes. A diretora da unidade foi contactada, mas preferiu não dar entrevista.
O que diz o poder público
O Estadão questionou o governo do Distrito Federal sobre soluções para resolver o problema, mas não obteve resposta.
O MEC afirmou que a Estratégia Nacional de Escolas Conectadas (Enec) tem o objetivo de coordenar e qualificar o acesso à internet. A pasta afirma que “políticas até então existentes não garantiam o acesso à conectividade significativa para uso pedagógico e tampouco enfrentavam as questões de necessidade de melhoria da infraestrutura de telecomunicações em regiões mais remotas.”
A pasta disse ainda que entre os desafios então disponibilização de energia elétrica para rede pública; contratação de serviço de conexão que permita uso de vídeos, jogos e outros recursos; disponibilização de rede sem fio para que turmas inteiras consigam se conectar.
Em relação à escola de Brasília, o MEC informa que a unidade “possui uma velocidade de conexão considerada adequada, permitindo o uso fluido de vídeos, plataformas educacionais, áudios, jogos e outros recursos digitais”. Segundo a pasta, essa informação teria sido fornecida pelo gestor escolar ao declarar que tinha contratado um pacote de dados de 800 megabits por segundo, sendo que a velocidade mínima seria de 431 Mbps. Na resposta, o ministério não faz referência ao valor registrado pelo medidor oficial de apenas 61,07 Mbps.
“Segundo formulário, respondido em junho de 2024 pelo(a) gestor(a) escolar, a escola já dispõe de sinal Wi-Fi em pelos menos 14 ambientes escolares dos 28 existentes. Isso significa que já conseguiria utilizar a internet para fins pedagógicos”, diz o MEC.
O ministério declara ainda que a escola recebeu recursos no final de 2024 para a contratação de internet. “Os recursos são repassados para a escola, que fica a cargo da contratação de forma direta. Além disso, está prevista a utilização pelo governo do Distrito Federal de recursos federais da Lei nº 14.172 já aprovados pelo Ministério da Educação para a melhoria do Wifi, conforme estabelecido no plano de conectividade desenvolvido pelo Distrito Federal, com prazo de execução até dezembro de 2026. Considerando que o repasse já foi efetuado e os recursos estão disponíveis para a secretaria de educação do Distrito Federal, a expectativa é que a escola atinja, em breve, a qualificação máxima nesse parâmetro”, diz a nota do MEC.
A pasta ainda admite que não inspeciona 100% das escolas, mas faz monitoramentos periódicos para orientar as secretarias de educação sobre a contratação dos serviços de internet. “Cumpre ressaltar que o uso pedagógico da internet não depende apenas de infraestrutura adequada, mas também de um corpo técnico formado para utilizar a tecnologia com intencionalidade pedagógica. Em muitos casos, as escolas podem já ter um acesso à internet adequado, e mesmo assim os profissionais da escola não utilizarem a internet em sala de aula com os estudantes. É por isso que o Ministério da Educação vem ofertando diversos cursos de formação de professores para o uso de tecnologias, vem apoiando as redes no diagnóstico das competências digitais dos professores e vem prestando assessoria técnica às redes de ensino para que consigam garantir a incorporação da Educação Digital nos currículos e planejar formações de professores que visem desenvolver os saberes digitais orientando e incentivando o uso de tecnologias digitais nos processos de ensino e de aprendizagem”, diz o ministério.