Os problemas sociais que estão fora da bolha das escolas particulares têm ganhado espaço na proposta pedagógica dessas unidades dando origem a atividades extracurriculares e projetos que preveem a formação integral do estudante. Inspiradas na metodologia PBL (problem based learning ou aprendizagem baseada em problemas), as iniciativas são desenvolvidas a partir de situações reais para estimular entre os estudantes o desenvolvimento do pensamento crítico e outras competências socioemocionais como liderança e criatividade.
Há 15 anos, a Escola Bilíngue Pueri Domus, mantém uma parceria com a ONG Teto Brasil que promove a construção de casas de madeira em favelas, oferecendo moradias mais dignas à população desses locais. Os estudantes arrecadam a verba necessária para viabilizar as casas, que custam cerca de R$ 15 mil cada, com ações como venda de doces e promoção de rifas e bingos nos eventos escolares como festa junina. Depois eles participam dos mutirões de construção que reúnem voluntários, comunidade local e famílias beneficiadas.
Neste ano, quem colaborou com as construções das casas da ONG Teto Brasil no Jardim Lapenna, na zona leste de São Paulo, foram Giovanna Terzi, Luisa Suriano e Lucca Famá, de 17 anos, alunos do 3º ano do ensino médio, da unidade Verbo Divino. Os adolescentes contaram que para se juntarem ao mutirão precisaram passar o fim de semana em um alojamento no bairro, o que exigiu que dormissem no chão e ficassem sem tomar banho.

Para Giovanna, entretanto, a oportunidade foi importante para sair de sua “zona de conforto”. “Foi uma experiência muito intensa estar submersa na realidade dessa comunidade que é muito diferente da nossa”, diz a aluna que também está envolvida em uma ação social que alfabetiza adultos. Já Luisa, reforçou a diferença entre saber que grande parte da população vive em situação de vulnerabilidade e poder acompanhá-la de perto. “Começamos a pensar sobre isso, a fazer reflexões, mudou minha perspectiva. ”
No dia do mutirão, os estudantes apoiam a construção colocando a mão na massa. Segundo eles, a parte mais difícil do trabalho é fazer a fundação das casas. Para Lucca, que pretende seguir carreira na arquitetura, a experiência ajudou a ampliar sua visão como futuro profissional. “Além de gratificante, foi divertido com todo mundo querendo ajudar, uma energia boa, os organizadores fizeram tudo parecer mais legal. As famílias que recebem a casa estavam junto vendo sua casa ser erguida do chão.”
O coordenador do ensino médio da unidade Verbo Divino, Felipe Menezes, que também já esteve em mutirões de anos anteriores, conta que é possível sentir a diferença nos alunos antes e depois da experiência, e a vontade da escola é que todos pudessem passar por ela. “Traz a consciência do privilégio, amadurecimento e riqueza.”
Um país melhor para todos
O Colégio Dante Alighieri também tem a “preocupação de preparar os alunos para ouvirem o outro sem preconceito, superioridade e empatia.” Além de iniciativas pontuais que perpassam o currículo, a escola realiza, desde 2018, um evento para fomentar ideias de empreendedorismo social entre os estudantes do ensino médio.
Em cada ano, eles atuam com uma temática diferente. Neste, eles têm de trabalhar com mobilidade urbana e emergência climática. Primeiro, os alunos se aprofundam no tema com “aulões”, discutem quais os problemas precisam ser resolvidos e sua relação com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Em seguida, pensam em propostas de soluções que são apresentadas para uma banca, a princípio com profissionais da escola, e depois para autoridades convidadas que avaliam seu potencial. Os três melhores projetos são premiados; o primeiro recebe uma patente de propriedade industrial e intelectual.
O projeto está ancorado em uma ação social que é a de criar um fundo emergencial, com doações feitas pelos alunos e suas famílias. O recurso servirá para custear a montagem de kits com itens como água e artigos de higiene pessoal que serão distribuídos às vítimas em caso de catástrofes relacionadas à crise climática.
Em edições anteriores, os estudantes desenvolveram um semáforo para daltônicos com uma peça acoplável com imagens que permitem que as cores sejam identificadas e um projeto que assegura que pessoas em situação de rua possam tomar um banho para participar, por exemplo, de uma entrevista de emprego.
As ações também atendem alunos do ensino fundamental. Neste ano, depois de pesquisar parques no mundo todo, as turmas do 2º ano foram levadas até o Trianon, na Avenida Paulista, para analisar os espaços de brincar e fazer propostas de melhoria pensando em brinquedos mais inclusivos, divertidos e sensoriais. Após o resultado da pesquisa em campo, as crianças criaram um portfólio que foi entregue à gestora do parque.
Para Verônica Cannatá, coordenadora e professora de Tecnologia Educacional no Colégio Dante Alighieri, as escolas, especialmente as de elite, têm o papel de preparar os alunos que tenham o compromisso de transformar o Brasil em um lugar melhor para todos. “Esta é uma temática que tem de estar em qualquer escola, independentemente da condição social dos alunos. Nas escolas que têm muitas dificuldades, podem sair grandes ideias porque a dor está lá. No caso do Dante, eu digo que não temos o peso pelo privilégio, mas sim, a responsabilidade de fazer a diferença”, diz.
Conhecimento além das apostilas
Mariana Gauche, diretora de Educação do Instituto Elos, acredita que as escolas perceberam a importância da relação do entorno para o contexto pedagógico, por isso estão promovendo estudos de meio de uma forma mais ampliada. A instituição, que realiza projetos de impacto social para empresas e oferece apoio para formação de lideranças, leva estudantes de colégios como Escola da Vila, de São Paulo; Veredas, na cidade Campinas; e a Novalis, em Piracicaba, no interior; adeptas da pedagogia Waldorf, para visitas à Vila dos Pescadores, comunidade localizada na periferia de Cubatão, na Baixada Santista.
A iniciativa faz parte de um programa dedicado a adolescentes de 14 a 17 anos que querem se tornar lideranças de impacto social. Na vila, uma região de mangue, eles se deparam com as carências e precariedades típicas da zona portuária. “(Nestas oportunidades) os alunos vão ter contato com uma forma de conhecimento que não está nas apostilas da escola, mas que são urgentes para despertar o olhar às principais questões dos nossos tempos”, afirma Mariana.
Nestas viagens pedagógicas, Mariana conta que o instituto quer mostrar que o estudo de meio não é uma forma de conhecer um outro desconhecido. “Mas, sim, de reconhecer, em novas pessoas e territórios, sujeitos e saberes que também dizem respeito à nossa própria existência, que lidam com desafios que também são nossos, porque somos pessoas que fazemos parte da mesma sociedade.”