O estudante do terceiro ano do ensino médio Thales Delmanto, de 17 anos, sonhava estudar Economia e Ciências Políticas nos Estados Unidos, na Universidade de Chicago ou em uma das renomadas de Boston, a partir do ano que vem.
Mas, com as recentes medidas do governo Donald Trump de proibir a Universidade de Harvard de matricular alunos estrangeiros – determinação posteriormente derrubada pela Justiça americana – e de suspender temporariamente entrevistas para vistos estudantis para incluir análise das redes sociais dos candidatos, ele decidiu ampliar seu leque de opções, incluindo universidades do Canadá, Espanha e Holanda.
“Como já teve essa questão de Harvard, que é a principal (universidade) de Boston, isso me fez ficar com um pé atrás em relação a todas. Dá uma insegurança muito grande. Hoje foi ela, amanhã, será que pode ser outra? Será que vai ser só em Boston, ou também em Chicago (esse tipo de medida)?”, diz. “Eu não gostaria de (eventualmente) ter que abandonar os meus estudos porque eu perdi a possibilidade de estudar no país.”

Ele, que já prestou as provas do International Baccalaureate (IB), aguarda agora os resultados para decidir para quais universidades deve aplicar sua nota e, por fim, escolher. Ainda pretende aplicar para Harvard, mas quer avaliar o cenário geopolítico antes de tomar uma decisão.
“Ainda tem as faculdades para as quais eu vou prestar vestibular aqui no Brasil, como a USP (Universidade de São Paulo) e a FGV (Fundação Getúlio Vargas), que são faculdades que eu tenho bastante interesse”, afirma o estudante do Colégio Miguel de Cervantes. “Mas eu acho interessante que no exterior tem opções de dupla graduação, que seria o ideal para mim (por querer estudar Economia e Ciências Políticas).”
A coordenadora do Departamento de Orientação Acadêmica Internacional do colégio, Cibele Alonso, afirma que a instituição tem recomendado que seus alunos que pretendem fazer graduação nos Estados Unidos tenham um plano B por causa do cenário político.
A previsão é de que a suspensão das entrevistas para retirada de visto dure apenas alguns dias, mas, caso se estenda, pode impactar as candidaturas para 2026, que começam no segundo semestre. “É frustrante para eles, para a família e mesmo para a escola que acompanhou esse projeto”, diz Cibele.
Interesse por Europa aumenta
Felipe Fonseca, fundador e CEO da Daqui pra Fora, empresa que presta consultoria educacional para pessoas que querem fazer graduação fora do Brasil, afirma que o interesse de jovens brasileiros por fazer graduação na Europa tem crescido nos últimos anos e pode ser intensificado se Trump continuar demonstrando pouca abertura a estudantes estrangeiros, mas ainda é cedo para saber.
“A gente hoje tem uma geração de adolescentes que é menos influenciada pela cultura americana como algumas gerações anteriores”, afirma o CEO. “Muitos alunos já chegam para conversar conosco com um interesse ou maior ou exclusivamente por Europa.”
Um outro fator que influencia muito é o custo e facilidade de acesso. “O valor de um curso de educação superior na Europa é muito menor do que na América do Norte e a maior quantidade de famílias brasileiras com passaporte europeu também influencia muito”.
É o caso de Delmanto, que tem cidadania italiana, facilitando não só a entrada dele em cursos de graduação na Europa – muitas universidades têm, inclusive, desconto para cidadãos europeus – como também a sua permanência na região após a conclusão dos estudos.
“Eu gostaria de ficar um pouco ou pelo menos começar a minha trajetória de trabalho no país onde eu cursar faculdade. Pelo menos por enquanto eu penso assim. Então, seja Canadá, Espanha ou Holanda, eu penso em continuar (no país) pelo menos logo após a universidade e tentar me adaptar”, diz o estudante.
Cenário nebuloso joga contra os EUA
Fonseca acredita que uma restrição muito grande à entrada de estudantes estrangeiros nos Estados Unidos implicaria em um rombo significativo na economia do país, o que leva a crer que isso não deve acontecer.
Ao todo, os Estados Unidos tinham 1,1 milhão de estudantes estrangeiros em 2023-2024, conforme o relatório anual do Escritório de Assuntos Educacionais e Culturais do Departamento de Estado com o Instituto de Educação Internacional.
Esses alunos geralmente pagam mensalidades mais caras, já que muitas universidades americanas têm taxas mais baratas para nativos.
O Brasil é o 9º país que mais envia estudantes para os EUA. Eram 16,8 mil brasileiros no ano letivo de 2023-2024, o que representa um aumento de 5,3% em relação ao ano anterior. A grande maioria era de alunos da graduação e pós graduação.
O comportamento do presidente norte-americano não tem criado incertezas apenas sobre a entrada e presença de estudantes estrangeiros no país, como também sobre a manutenção de pesquisas e da autonomia das universidades, algumas delas na lista de mais renomadas do mundo.
Como mostrou o Estadão nesta sexta-feira, 30, agora o governo americano cogita proibir seus pesquisadores de publicar em algumas das principais revistas médicas do mundo, como Lancet e New England Journal of Medicine. Antes, ele já havia cortado verbas para o financiamento de pesquisas científicas.
São todos esses fatores, somados, que levam estudantes e pesquisadores a repensar se vale a pena estudar no país.
Logo após o anúncio das restrições do governo a Harvard na semana passada, um pesquisador brasileiro contou à reportagem, sob condição de anonimato, que seu trabalho na universidade estava paralisado há semanas por falta de verba e que ele já planejava se mudar para a Europa para continuar a pesquisa.
“A gente (ele e a mulher) está indo com uma linha de financiamento para pesquisadores que estavam nos Estados Unidos que querem se relocalizar”, afirmou o pesquisador.