A engenheira de produção Maria Paula Andrade, hoje com 24 anos, chegou a aplicar para 130 vagas em dez meses após se formar e passou para a primeira fase em apenas oito delas. A designer Steffany Lima, 27, mandou mais de 70 currículos durante seis meses, e foi chamada para uma entrevista em apenas três empresas. As duas eram recém-formadas em 2024 e passaram a integrar o grupo dos “nem-nem”, ou seja, nem estudavam, nem trabalhavam.
Ainda no ano passado, as duas conseguiram deixar tal estatística e ter fonte de renda formal. Os dados da nova edição da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio Contínua (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada nesta sexta-feira, 13, indicam que elas fazem parte de um grupo maior de jovens brasileiros que no último ano que conseguiu um emprego ou voltou a estudar depois de algum período no “limbo”.
Em 2019, ano pré-pandemia, 22,4% dos jovens (de 15 a 29 anos) não estudavam nem trabalhavam. Em 2024, esse percentual caiu para 18,5% dos 48 milhões de pessoas nessa faixa etária, mostra a pesquisa. Apesar da redução, a proporção ainda é considerada alta.
O problema é ainda pior entre as mulheres nessa faixa etária: praticamente uma em cada quatro delas (24,7%) não estuda nem trabalha, quase o dobro da porcentagem registrada entre os homens (12,5%). A diferença pode ser explicada porque boa parte delas deixam de estudar para se ocupar do trabalho doméstico não remunerado ou ainda por causa de gravidez.
Maria Paula e Steffany, apesar de atuarem em áreas distintas, têm as mesmas reclamações: a maioria das empresas sequer respondem aos envios de currículos, deixando-as à deriva, sem saber se elas têm alguma chance.
“Nem a oportunidade de ir na entrevista eu estava tendo”, diz Steffany, moradora de Embu das Artes (SP).
As vagas para cargos iniciais também costumam ter pré-requisitos que não condizem com recém-formados e com o salário oferecido, elas dizem.
“A minha maior dificuldade foi a falta de experiência e a falta e oportunidades com um salário vantajoso”, acrescenta a jovem designer. Ela não tinha estagiado fora da faculdade e diz que isso dificultou na hora de conseguir uma trabalho.

Maria Paula relata que participou de várias atividades extracurriculares ao longo da faculdade, domina outros idiomas, como o inglês e o espanhol, sabe usar programas de computação e atuou na área da Engenharia durante dois anos em um estágio. “Mesmo assim, ainda exigem muito mais”, diz.
“Me senti muito mal porque eu sempre fui muito dedicada, muito estudiosa, sempre fui muito bem na faculdade, tinha um currículo super legal e não estava empregada. É um momento muita ansiedade, você começa a se questionar se você escolheu a carreira certa, se não é suficiente”, relembra a engenheira que mora na capital paulista.
Durante os dez meses em que estava sem estudar e desempregada, ela fez cursos de trainee, de Excel e até de e-commerce e marketing para aprimorar seu currículo.
“Isso é o que mais frustra, porque a gente estuda, a gente se esforça na faculdade, se dedica bastante, participa de várias coisas, várias atividades, mesmo assim, mesmo sabendo Excel, mesmo sabendo várias coisas, a gente não é visto”, diz Maria Paula.
Steffany também diz ter ter se ocupado com seu portfólio e currículo nos seis meses como nem-nem. “Eu sempre busquei outros cursos. Eu sou designer, mas sei um pouco de marketing digital, de publicidade (pois chegou a cursar a faculdade anteriormente), eu sou bem adaptável”, conta.
Ambas conseguiram se sustentar porque moram com a família. “Meu pai perguntava: ‘O que você está fazendo? Está buscando?’ e eu falei que estava, tinha 70 e poucas solicitações (nas plataformas de busca de emprego), mas eles não chamam, eu não passo na régua do RH”, lembra a designer.

Ela se formou no meio do ano passado e ficou o segundo semestre todo em busca do primeiro emprego. Foi ter sua primeira oportunidade no final de 2024. Steffany encontrou a vaga em um post na rede social, aplicou, fez entrevista e passou, começando no início deste ano.
Maria Paula, por sua vez, conseguiu uma vaga em outubro, após receber indicação para um processo seletivo. “Dessas 130 inscrições que eu fiz, eu nem recebi retorno”, conta a engenheira.
“As entrevistas que eu conseguia, a maioria foi por indicação. Precisa ter contatos, porque é muito difícil de entrar mesmo tendo uma formação. Hoje em dia, na minha percepção, está muito saturado e você precisa saber chegar nas pessoas certas, senão você vai ser só mais um em mil pessoas”, completa.
“Foi um momento de muita ansiedade mesmo. Você se sente muito insuficiente e muito mal (por não conseguir um emprego). E eu conversava com amigos que também estavam desempregados, todo mundo passando pela mesma situação, então eu não estava sozinha”, completa.
Nesse meio tempo, “para não ficar parada”, Maria Paula decidiu empreender.
“Um sonho muito grande que eu tinha desde criança era abrir uma empresa. Eu falei ‘será que não daria para abrir agora? Eu estou com tempo de sobra, consigo estudar para isso, consigo correr atrás disso agora, acho que eu vou tentar’. E aí eu comecei a estudar mais também sobre esse universo e abri minha empresa em julho”, relata a engenheira que hoje também é dona de uma marca de joias de prata.

“Dei uma pausa nas entrevistas para estruturar a minha empresa, para quando eu voltasse para o CLT, eu já tivesse tudo mais estruturado, eu conseguisse tocar as coisas muito mais facilmente”, relata.
Desde o momento em que abriu a empresa, ela conseguiu ter um retorno financeiro – inclusive maior do que o seu último salário como estagiária, mas usava o montante para reinvestir na própria empresa.
Hoje, ela conciliar a vida de CLT com a de empresária, além de uma pós-graduação que iniciou em abril deste ano.